Hoje, não são mais as coisas, mas as informações que determinam o mundo da vida. A frase, de autoria do filósofo Byung-Chul Han, reflete a percepção cada vez mais clara de que somos hiperdependentes das tecnologias de informação e comunicação. No entanto, não é apenas isso.
A forma como vivemos, trabalhamos e interagimos, enfim, o modo como nos organizamos como sociedade, está baseada fundamentalmente em tecnologias controladas por um espectro muito pequeno de gigantescas corporações norte-americanas.
O recente apagão digital, causado por uma falha de atualização do antivírus CrowdStrike em sistemas operacionais Windows, escancara uma verdade atordoante (sem entrarmos em detalhes técnicos, mas há certo grau de implicação da própria Microsoft ao permitir o acesso da empresa de segurança ao kernel do Windows), mas pouquíssimo debatida.
As promessas da revolução da informação, capitaneada especialmente pelo advento da internet, ficaram para trás. Um espaço antes baseado em ideais igualitários, estruturas abertas, transparentes e com organização o menos hierárquica possível, é tudo menos uma descrição do que é a internet hoje.
Vivemos em um ambiente digital cada vez mais incompreensível, nublado, altamente polarizado, interdependente e com aplicações altamente concentradas nas mãos de pouquíssimas empresas com gigantesca dominância mundial.
Tome como exemplo a relação dos Estados com as Big Techs. Sem alternativas para se conectar com seus cidadãos, não encontram outras opções além de se renderem às plataformas controladas pelas gigantes da tecnologia para viabilizar diversas políticas públicas, inclusive as ligadas à segurança, saúde e educação. E que fique claro, não vejo problema em que a iniciativa privada exerça seu importante papel na busca por inovação e eficiência, mas passamos por um momento em que há preocupante concentração de poder econômico, informacional e intelectual nas mãos de pouquíssimas empresas.
Em uma sociedade hiperconectada e altamente dependente de tecnologias proprietárias, o futuro parece exigir uma atenção redobrada aos aspectos concorrenciais suscitados pelo mercado digital. As grandes corporações tecnológicas, que dominam o cenário global, estão cada vez mais consolidando seu poder econômico, informacional e intelectual, gerando preocupações quanto ao ambiente de competição da indústria da tecnologia.
A tendência é preocupante, especialmente com o crescimento no uso e dependência das ferramentas de inteligência artificial (IA). Essas tecnologias não só demandam investimentos vultuosos que apenas poucas empresas conseguem arcar, mas também criam barreiras significativas para a entrada de novos competidores. Consequentemente, as gigantes da tecnologia se beneficiam de uma vantagem competitiva desproporcional, especialmente por já deterem grande parte dos dados necessários para o treinamento dos sistemas de IA, bem como pelo investimento brutal em processamento de dados necessário para permitir que essas tecnologias sejam utilizadas em larga escala. Para se ter uma ideia, somente o ChatGPT consome vinte e cinco vezes a energia utilizada pela ferramenta de busca do Google.
Curiosamente, sobre o caso envolvendo o apagão causado pela CrowdStrike em seus sistemas, a Microsoft apontou um acordo de 2009 com a Comissão Europeia sobre interoperabilidade como uma razão pela qual o kernel do Windows não é tão protegido quanto o de outros sistemas operacionais, como o macOS da Apple. Este acordo exigia que a Microsoft permitisse que produtos de segurança de terceiros tivessem o mesmo acesso que seus próprios produtos, o que acabou permitindo que softwares como o CrowdStrike operassem em um nível baixo do sistema, potencialmente causando falhas significativas.
Ou seja, uma medida que aparentemente visava promover a concorrência agora é utilizada como justificativa para uma falha com consequências globais. Independentemente do caminho a ser tomado, é urgente que o tema da concorrência em mercados digitais receba mais atenção, especialmente no contexto público. Promover uma agenda que defenda a concorrência é essencial para tirar o Brasil da condição de coadjuvante, permitindo maior retenção de talentos e atraindo mais investimentos privados.
Publicado no Monitor Mercantil
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